Dez das 14 agremiações, que desfilam hoje e amanhã, usarão seus espetáculos na Avenida como pano de fundo para críticas políticas e sociais
Alegoria da Unidos da Tijuca vai retratar o momento em que o pão virou moeda de troca em Roma, na época do 'Pão e Circo' - Daniel Castelo Branco.
Rio - Passaram pela Sapucaí muitas manifestações de cunho político e social. Marcou época o Cristo censurado da Beija-Flor, em 1989, que protestou contra a desigualdade do país, onde miseráveis convivem com milionários. Um ano antes, no centenário da Abolição da Escravatura, a Mangueira questionou em seu desfile se a tão sonhada liberdade havia realmente chegado. Nessa linha, há muitos enredos memoráveis, mas nunca antes o Carnaval teve tantos sambas e temas engajados como agora. Dez, das 14 agremiações, vão colocar a boca no trombone pelo menos em algum momento de seus espetáculos.
A Mocidade de Padre Miguel é uma delas. Ao falar sobre o tempo, a agremiação criticará, em um setor, os operários engolidos pelo trabalho massivo nas fábricas, em uma alegoria inspirada em 'Tempos Modernos', de Chaplin. Já o Salgueiro, que homenageará o orixá da Justiça Xangô, fechará sua passagem na Avenida com uma alusão à lavagem de dinheiro e à corrupção. Segundo o carnavalesco da Vermelha e Branca, Alex de Souza, a ideia foi de última hora. "É tanta notícia de operações da Polícia Federal e polêmicas em torno da Justiça que não tive como fugir", contou. "Mas Carnaval é isso mesmo, se as coisas não estão um mar de rosa, faz parte do Carnaval denunciar, brincar, satirizar. Esse é o espírito", acrescentou ele.
Para o jurado do Tamborim de Ouro Aydano André Motta, essa é uma tendência que veio para ficar. "Acredito que tem ligação direta com a crise financeira que as escolas estão passando. O pouco dinheiro turbinou a criatividade dos artistas do Carnaval, os compositores e carnavalescos. É a capacidade de se reinventar", ponderou o especialista, que destacou Mangueira e Paraíso do Tuiuti. "São duas escolas que já vêm com essa linha polêmica, e vão intensificar este ano. A Mangueira levará a história não contada do Brasil, em um desfile mais pesado, mas emocionante de ver. A Tuiuti, ao falar sobre o bode que foi eleito, será debochada". A escola de São Cristóvão, inclusive, ironizará políticos em esculturas de animais, como porco e cobra engravatado.
A integrante da Comissão de Carnaval da Unidos da Tijuca Annik Salmon acredita que a abordagem crítica traz a identificação do público. "Confio que trará bom resultado, porque mostra o que passamos hoje. A situação que vivemos, principalmente política, acaba nos levando a abordar esses assuntos da atualidade. É uma grande oportunidade de mostrar, em forma de arte, o não bonito que a gente passa", ponderou. A agremiação, que tem um enredo sobre o pão, não deixará a desigualdade social e a omissão dos poderosos de lado, influenciada pela chegada do diretor de Carnaval Laíla, que deixou a Beija-Flor.
"As críticas não são novidade, sempre fez parte da história, mas é muito positivo terem retornado com força a partir desse olhar para a sociedade", afirmou a também jurada do Tamborim e pesquisadora do Carnaval Bárbara Pereira. "A vontade de criticar é tamanha, que a São Clemente e a Grande Rio vão criticar a si mesmas. A primeira com a falta de recurso e a qualidade do espetáculo, e a segunda com a referência à virada de mesa, que interessou a própria. É uma autocrítica divertida", concluiu Aydano. Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense e Vila Isabel são outras agremiações que levarão polêmicas para a Avenida.
* Estagiária sob supervisão de Angélica Fernandes.
8 O DIA/ Por *Luana Dandara
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