Liberdade essa palavra, que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda.
Cecília Meireles
*O Romanceiro da Inconfidência representa um livro único na história da literatura brasileira. É uma obra liricamente histórica, sobre os autos de devassa da Inconfidência Mineira.
*O painel “Tiradentes“, de Cândido Portinari e o “Romanceiro da Inconfidência“, de Cecília Meireles. Duas obras monumentais. Inspiradas pelo sonho de um herói nacional.
O “Romanceiro da Inconfidência” é composto de 85 romances – gênero poético de origem medieval, assim como as narrativas de cordel – e foi publicado em 1953, mas escrito na década de 1940. Cecília, então jornalista, chegou a Ouro Preto, com a finalidade de documentar os eventos de uma Semana Santa. Envolvida pela “voz irreprimível dos fantasmas”, conforme disse, passou a reescrever, de forma poética, os episódios marcantes da Inconfidência Mineira, destacando, evidentemente, o martírio de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, personagem principal da obra.
Abaixo, parte do Romance XXI ou Das Ideias:
A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocafres e gamelas.
Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capitães, governadores,
padres intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta.
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminárias.
Sinos, procissões, promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as ideias.
Amplas casas. Longos muros.
Vida de sombras inquietas.
Pelos cantos da alcovas,
histerias de donzelas.
Lamparinas, oratórios,
bálsamos, pílulas, rezas.
Orgulhosos sobrenomes.
Intrincada parentela.
No batuque das mulatas,
a prosápia degenera:
pelas portas dos fidalgos,
na lã das noites secretas,
meninos recém-nascidos
como mendigos esperam.
Bastardias. Desavenças.
Emboscadas pela treva.
Sesmarias, salteadores.
Emaranhadas invejas.
O clero. A nobreza. O povo.
E as ideias.
* Fonte: Pesquisa livros de artes, poesia e história.
Adaptação Jornalista Mônica Braga
* Imagens: “Tiradentes”, de Portinari. 1948-1949. Têmpera/tela, 309×1767 cm. Coleção: Memorial da América Latina.
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